Não é surpreendente enxergar “Selma”
como um dos grandes títulos do Oscar 2015, sequer vê-lo na lista principal de
indicados. Sua fórmula parece digerível: filme histórico sobre uma das maiores
personalidades do século XX. Ao invés de intitular-se à ambição de biografar a
história de Martin Luther King, deixa
claro que pretende registrar um intervalo de sua atuação que teve como palco,
Selma, cidade do estado do Alabama, justificando sua atenção a uma discussão envolvente
sobre a repressão aos negros nos Estados Unidos da década de 60. Do início ao
fim, permeando seu enredo por discursos políticos e familiares, Selma convence
pela importância incontestável.
A diretora Ava DuVernay se confia à humildade, o que não significa que deixa
de lado a grandiosidade de seus momentos; seria um erro sem escalas esquecer um
item intrínseco a um tema tão pertinente e, embora pensamentos positivos, ainda
não erradicado da sociedade. É preciso garra e uma ambição invejável para
entregar à trama o ritmo necessário. Não dispensa discursos heroicos seguidos
de aplausos da multidão; seu ritmo evolutivo nos lembra “Lincoln” de Steven
Spielberg (bem mais inspirador, é claro), o que lhe denuncia uma narrativa
exaustiva. No entanto, a tarefa é concluída com uma precisão tão assustadora,
que o tom repetitivamente heroico não denuncia qualquer encurralamento da trama.
A trilha nos presenteia com um som
vindo da instabilidade confortável de uma gaita sob o tom grave de vozes potentes;
isso sem citar “Glory”, música que
concorre ao prêmio de canção original na premiação do dia 22 de fevereiro – seu
ritmo tem duas quebras; a primeira parte nos lembra abertamente o tom porfiado
de “Let It Be”, quando sua segunda
metade volta ao rap, estilo que nasce da cultura negra que toma espaço nos
subúrbios norte-americanos nos anos 1970 (posterior ao ocorrido em Selma). O
resultado não podia ser mais promissor: transmite uma mensagem de paz e perseverança
por um estilo que representa a liberdade que os personagens sofrem pela falta.
Se estamos cansados do heroísmo
desenfreado de dramas norte-americanos, estamos de ouvidos e olhos atentos a
uma trama que foca seus defeitos como “raça superior”. Poderia parecer modismo
de nossa parte se aplaudíssemos Selma
como um filme que busca denegrir o povo branco e simplesmente defender o povo
negro. Selma, no entanto, propõe um
debate maior; é preciso que enxerguemos o emaranhado político que envolve os
cidadãos, quer sejam brancos ou negros, sobre um equilíbrio civilizatório de
direitos. Como não somos ofendidos por nenhum artifício narrativo, não há outro
lugar para estar senão nas ruas de DuVernay, marchando ao lado de David Oyelowo (Dr. King) e sua
competência admirável. O resultado é arrebatador; “Selma” nos fala de conquistas, transpira responsabilidade e
consegue ser corajoso o suficiente para reinventar seu sentimentalismo.
Avaliação: 5 de 5
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